O protagonista de Dias Perfeitos, o filme dirigido pelo cineasta alemão Wim Wenders, trabalha como faxineiro de banheiros públicos em Tóquio. Interpretado pelo ator Koji Yakusho, o personagem é um homem de rotinas.
Mora num apartamento modesto e com pouca mobília, acorda cedo, cuida das plantas, dedica-se a seu ofício com afinco e orgulho, frequenta sempre os mesmos restaurantes e bares, lê, ouve fitas cassete, perambula por parques e praças para fotografar árvores.
O filme dura quase duas horas e confesso que ao assisti-lo eu me perguntava quando haveria um “plot twist”. Será que ele mudaria de emprego? Encontraria um grande amor? O spoiler aqui é essencial: não há reviravolta. Mesmo assim – ou talvez por isso – a cena final é uma das mais poéticas que já vi no cinema.
Hirayama, o protagonista, dirige pelas ruas ainda desertas de Tóquio ao nascer do sol, ouvindo Nina Simone cantar Feeling Good (“It’s a new dawn/ It’s a new day/ It’s a new life for me/ And I’m feeling good”).
Ele sorri. Em seguida, seus olhos ficam marejados.
Mergulhado na simplicidade de seu cotidiano, Hirayama é um homem realizado – e a soberba interpretação que Yakusho fez do personagem lhe rendeu o prêmio de melhor ator no festival de Cannes em 2023.
Lembrei deste filme enquanto lia Ikigai – O segredo japonês para uma vida longa feliz, de Héctor García e Francesc Miralles. (Compre aqui)
Publicada em 2016, a obra já vendeu mais de 5 milhões de exemplares em todo o mundo. Tem um quê de autoajuda? Tem – e por isso eu dificilmente a compraria. Mas como ganhei o livro de um amigo com quem aprendi muito sobre vida e carreira, me lancei à leitura.
Ainda bem.
Segundo os autores, o Ikigai é a intersecção entre o que você ama, aquilo em que você é bom, o que o mundo precisa e aquilo pelo que podem te pagar. “É a razão pela qual nos levantamos pela manhã,” explicam.
Isso vai muito além do que no Ocidente chamamos de “propósito”, uma palavra aliás já tão batida que foi esvaziada de significado.
O Ikigai é o combustível da vida. Não precisa ser franciscano como o do protagonista de Dias Perfeitos. Mas deve ser reconhecido e praticado continuamente. “Uma vez que tenha encontrado seu próprio ikigai, trate de segui-lo e alimentá-lo todos os dias para dar sentido a sua existência,” recomendam os autores.
Para se aprofundar no conceito e entender “por que existem pessoas que sabem o que querem e vivem de maneira apaixonada, enquanto outras definham na confusão,” os autores foram até a região de Okinawa, no Japão, uma das chamadas “zonas azuis”, onde vivem as pessoas mais longevas do mundo.
No vilarejo de Ogimi, com 3200 habitantes, descobriram que o caçula da população tinha 83 anos de idade. Em um dos dias em que estiveram por lá, García e Miralles participaram de uma festa tripla, em que foram comemorados os aniversários de duas senhoras – uma completava 99 anos e outra fazia 94 – e o de um senhor de 89. O envelhecimento é inexpugnável, mas a turma de velhinhos festeiros encarava o processo não como um fardo, mas com alegria e brindes de chá verde.
A pesquisa dos autores mostra que o primeiro ingrediente para uma vida longeva e feliz é manter-se ocupado. “Não existe na língua japonesa uma palavra que signifique ‘aposentar-se’, no sentido de ‘retirar-se para sempre’, como temos no Ocidente,” relatam.
Os idosos japoneses se ocupam com jardins, hortas, trabalhos manuais. Não são esportistas, mas mantêm o corpo sempre em atividade, com caminhadas ou tai chi, por exemplo (se você faz parte do time que pratica crossfit/ corrida/ beach tennis intensamente por uma hora e depois fica o resto do dia sentado em frente ao computador, é melhor repensar…).
Cozinham sua própria comida, baseada em hortaliças, frutas, grão e peixes – sempre respeitando a regra de alimentar-se até estarem 80% saciados. Eles também se dedicam a trabalhos comunitários. “A obrigação de ajudar uns aos outros constitui para muitas pessoas um ikigai poderoso o suficiente para continuar vivendo,” escrevem os autores.
Os centenários ou super centenários (acima de 110 anos) têm outros dois traços em comum que acabam influenciando todo seu comportamento: bom humor e curiosidade.
Eles riem, se divertem, dançam, tem amigos (aliás, ao longo do livro os laços de amizade aparecem com mais destaque como um fator que contribui para a longevidade do que a relações familiares ou românticas).
Esses idosos são leves e encaram as turbulências da vida com otimismo. De acordo com os autores, “uma atitude estoica – a serenidade diante das dificuldades – também potencializa o prolongamento da juventude, já que reduz os níveis de ansiedade e de estresse.”
Ainda que em muitas das quase 200 páginas da obra García e Miralles abordem conceitos já conhecidos, pensar sobre o que verdadeiramente nos move é uma provocação sempre bem-vinda – em particular quando estamos às vésperas do final do ano, quando muitos de nós definem suas metas para os próximos 12 meses.
No entanto, tão importante quanto estabelecer os objetivos para 2026 é pensar a longo prazo. Um bom caminho para ter uma vida longeva, feliz e saudável como a dos japoneses de Okinawa é seguir as 10 leis do Ikigai, descritas no final do livro:
Cristiane Correa é jornalista, escritora e está se reconectando com seu ikigai.
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